O Herdeiro
Minha mãe costumava dizer que eu tinha sangue azul. Obviamente acreditava que era apenas um eufemismo para o que ela achava dos meus modos e meu paladar excêntrico.
Isso foi antes da invasão.
Havia sido uma noite comum até o
estrondo acordar a todos e o chão tremer por longos minutos. A perspectiva excitante de estar presenciando
um terremoto - coisa que nunca acontecera nem perto de onde morávamos - acabou
no momento em que vi o pavor nos olhos de minha mãe.
Quando ela me empurrou para
dentro de um armário que eu nunca havia notado no corredor e me vi em uma
passagem estreita e interminável, percebi que algo realmente muito estranho
estava acontecendo.
Que ela estivera esperando que
algo assim acontecesse, já tinha ficado claro para mim. Mochilas com
mantimentos e, para meu choque, armamentos estavam a nossa espera em uma
pequena câmara escavada em uma parte do túnel que continuamos seguindo por
horas. Devíamos estar chegando ao limite da cidade, pelos meus cálculos, quando
ela achou seguro pararmos.
Minha cabeça estava arrebentando
de duvidas que eu soltei como uma enxurrada à qual ela escutou passiva. Depois
que eu silenciei foi a vez dela me responder. Não era justo, e nem seguro, que
eu não soubesse. Não mais.
Minha família finalmente me
encontrara e tinha vindo me buscar. Minha família real. Literalmente. Meu pai
havia sido o soberano de Lexymo, um planeta do quinto sistema estelar no
quadrante z da Via Láctea e, quando sua própria família o matara para ocupar
seu lugar, minha mãe fora enviada junto comigo para a Terra, cuja distância e
insignificância planetária nos deixariam a salvo dos usurpadores.
Aparentemente a distância não
tinha sido suficiente. Ou a
insignificância... Ou a lucidez de minha mãe. Porque era muito improvável que
qualquer uma daquelas palavras fizesse realmente sentido.
Contudo, antes que conseguisse
formular mais algum pensamento, uma voz ácida gritou num idioma desconhecido,
palavras que eu compreendi perfeitamente. O medo começou a circular em minhas
veias no mesmo instante que a terra que nos abrigava voltava a tremer. Eu e
minha mãe fomos içados no ar, tal qual barras de ferro atraídas por um imã, em
direção ao céu e à enorme nave espacial que somente agora percebia.
Assim que fomos soltos sobre o
piso frio da nave e nos vimos cercados pelos seres que nos perseguiam, minha
mãe não ficou esperando impassível pelo seu destino. Antes mesmo que me desse
conta, ela já havia matado uns três ou quatro.
Infelizmente percebi tarde demais
a importância das aulas de tiro que ela implorara para que eu fizesse e que
nunca compareci. Eles precisaram de
apenas um tiro de suas armas de laser para me acertar, depois que finalmente
mataram minha mãe.
Por alguns segundos não
compreendi o que era aquele líquido que escorria de meu peito, quente, viscoso
e... AZUL.
Por fim, percebi que realmente
não era um mero eufemismo de minha mãe. Esse foi o último pensamento antes de
cair sobre a poça celeste que se formara com meu sangue.
miniconto escrito para o grupo Fábrica dos Sonhos do Facebook
2 comentários:
Uau! Que ritmo! Que virada! AMEI!!!!!!!
Uau!²
Postar um comentário