No início era apenas um buraco num canto escuro de um beco
no qual até mesmo os viciados e as
prostitutas não gostavam de entrar. Quem tivesse a infelicidade de morar num
dos prédios daquele bairro decadente e calhasse de ter uma janela voltada para
o local, poderia até ter notado algo de estranho. Mas os únicos desafortunados
nestas circunstâncias, pareciam ter inteligência o suficiente para não fazê-lo.
Foi assim que o buraco aumentou.
Contudo, somente quando dois adolescentes desapareceram ao
passar por ali (jovens ansiosos por momentos a sós definitivamente são menos
cautelosos que prostitutas em serviço ou viciados no geral), foi que o fato
começou a vir à tona.
Primeiro foi uma notícia pequena no pé da terceira página,
mas após a confusão armada por um dos
pais, que conhecia alguém que conhecia um parente do chefe de polícia, o
acontecido foi parar nas manchetes de todos os jornais.
Porém, enquanto os investigadores da polícia davam
entrevistas para redes de rádio e televisão, o buraco não parava de aumentar.
Sem que ninguém desse falta, uma caçamba de lixo, dois gatos brigões e uma
carteira furtada também sumiram.
A fundação do prédio ao lado já começava a ficar abalada,
mas os moradores nem percebiam o perigo que corriam. Quando a luz acabou de repente,
alguns pensaram que fosse um apagão e outros que a companhia elétrica
finalmente havia cortado a energia depois de tantas ameaças. Mas era tudo culpa
do buraco.
Ariovil Calheiva já tinha estado no topo, mas isso foi há
muito tempo. De astrofísico aclamado a bêbado falido num piscar de olhos. Ou,
para ser exato, a uma polêmica teoria de
distância. Num dia, tomava champanhe com doutores e Phds e no outro estava ali,
morando naquele bairro fétido e tendo que se contentar com o uísque mais barato
que pudesse comprar.
Talvez tenha sido uma fagulha de sua velha genialidade ou,
provavelmente, apenas o fato de Ariovil ter que desviar dos inúmeros carros de reportagem que andavam
por ali, o importante é que ao sentir os pelos de seu corpo se arrepiarem e
ouvir um zunido quase imperceptível, sua tenção se voltou para o beco. E, com
isso, para o buraco. Quem diria que a comprovação de sua tese sobre buracos
negros iria surgir bem ali? Em um estado de
semi êxtase, repassou em sua mente todos os cálculos e equações que o
levaram à ruína. Interpretara erradamente alguma das incógnitas, era óbvio. Mas
agora, sabia o que fazer.
Retornou rapidamente ao cubículo que ocupava, totalmente
focado em seu objetivo. Apanhou alguns
dos estranhos instrumentos que usava em seu antigo laboratório, guardados numa
caixa de papelão sobre o armário, e voltou até o beco. Muitas medições,
cálculos e anotações depois (salpicados aqui e ali por incontáveis fotografias)
voltou para casa, ligou o velho computador e assim que o editor de textos se
abriu, digitou freneticamente até concluir o artigo que lhe devolveria a
glória.
Os dias se passaram e Ariovil ficava cada vez mais ansioso.
Será que nenhum de seus antigos colegas ou os jornalistas especializados iriam
lhe dar atenção? Mesmo depois que o prédio ao lado do beco desabou e os carros
na calçada começaram a sumir?
Levou duas semanas até que começassem a acreditar em
Ariovil. E apenas um mês para o mundo sumir no buraco.
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