segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O Buraco

No início era apenas um buraco num canto escuro de um beco no qual  até mesmo os viciados e as prostitutas não gostavam de entrar. Quem tivesse a infelicidade de morar num dos prédios daquele bairro decadente e calhasse de ter uma janela voltada para o local, poderia até ter notado algo de estranho. Mas os únicos desafortunados nestas circunstâncias, pareciam ter inteligência o suficiente para não fazê-lo.

Foi assim que o buraco aumentou.

Contudo, somente quando dois adolescentes desapareceram ao passar por ali (jovens ansiosos por momentos a sós definitivamente são menos cautelosos que prostitutas em serviço ou viciados no geral), foi que o fato começou a vir à tona.

Primeiro foi uma notícia pequena no pé da terceira página, mas após  a confusão armada por um dos pais, que conhecia alguém que conhecia um parente do chefe de polícia, o acontecido foi parar nas manchetes de todos os jornais.

Porém, enquanto os investigadores da polícia davam entrevistas para redes de rádio e televisão, o buraco não parava de aumentar. Sem que ninguém desse falta, uma caçamba de lixo, dois gatos brigões e uma carteira furtada também sumiram.

A fundação do prédio ao lado já começava a ficar abalada, mas os moradores nem percebiam o perigo que corriam. Quando a luz acabou de repente, alguns pensaram que fosse um apagão e outros que a companhia elétrica finalmente havia cortado a energia depois de tantas ameaças. Mas era tudo culpa do buraco.

Ariovil Calheiva já tinha estado no topo, mas isso foi há muito tempo. De astrofísico aclamado a bêbado falido num piscar de olhos. Ou, para ser exato,  a uma polêmica teoria de distância. Num dia, tomava champanhe com doutores e Phds e no outro estava ali, morando naquele bairro fétido e tendo que se contentar com o uísque mais barato que pudesse comprar.

Talvez tenha sido uma fagulha de sua velha genialidade ou, provavelmente, apenas o fato de Ariovil ter que desviar  dos inúmeros carros de reportagem que andavam por ali, o importante é que ao sentir os pelos de seu corpo se arrepiarem e ouvir um zunido quase imperceptível, sua tenção se voltou para o beco. E, com isso, para o buraco. Quem diria que a comprovação de sua tese sobre buracos negros iria surgir bem ali? Em um estado de  semi êxtase, repassou em sua mente todos os cálculos e equações que o levaram à ruína. Interpretara erradamente alguma das incógnitas, era óbvio. Mas agora, sabia o que fazer.

Retornou rapidamente ao cubículo que ocupava, totalmente focado em seu objetivo.  Apanhou alguns dos estranhos instrumentos que usava em seu antigo laboratório, guardados numa caixa de papelão sobre o armário, e voltou até o beco. Muitas medições, cálculos e anotações depois (salpicados aqui e ali por incontáveis fotografias) voltou para casa, ligou o velho computador e assim que o editor de textos se abriu, digitou freneticamente até concluir o artigo que lhe devolveria a glória.

Os dias se passaram e Ariovil ficava cada vez mais ansioso. Será que nenhum de seus antigos colegas ou os jornalistas especializados iriam lhe dar atenção? Mesmo depois que o prédio ao lado do beco desabou e os carros na calçada começaram a sumir?


Levou duas semanas até que começassem a acreditar em Ariovil. E apenas um mês para o mundo sumir no buraco.

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