quinta-feira, 15 de maio de 2014

Nayla

Era difícil enxergar através da fumaça densa que surgiu assim que as bombas alcançaram o solo, uma seguida da outra. O chão não parava de tremer, dificultando o avanço das tropas e a fuga das pessoas. Os diversos sons que escutava - disparos, explosões, choros e gritos - deixavam o ambiente ainda mais caótico.

Nayla desejava fechar os olhos e sair dali, mas foi impedida. Os horrores da guerra que observava dilaceravam seu coração. Ela queria ajudar, fazer alguma coisa para impedir o sofrimento das pessoas daquele lugar, contudo, seu próprio corpo tinha várias limitações.

Mesmo sem olhar, sentia a magia formigando em sua pele, escorrendo por suas veias e acumulando-se em suas mãos. Seria tão simples apenas acenar e fazer as bombas desaparecerem, ou surgir uma grande redoma capaz de proteger o local. Porém, Nayla sabia que quaisquer esforços nesse sentido seriam insuficientes. Por mais preparada que estivesse, ainda era apenas uma sacerdotisa a serviço da Deusa. E temia que, por mais poderes que pudesse vir a ter como Grã-Sacerdotisa, se um dia fosse agraciada com tal título, nada poderia fazer para impedir o que estava presenciando.

Vislumbrava os rostos parcialmente escondidos, incapazes de lutar, certos de sua morte iminente, e suas angústias lhe atingiram como uma flecha. Ela não reconhecia nenhuma das máquinas que via, capazes de explodir e assassinar à distância. Com certeza eram de outro tempo ou de outro mundo. Mas, a dor e a desgraça que estas máquinas produziam, não mudaram.  

Tanto fazia se fosse por meio de um daqueles estranhos projéteis ou pela lâmina de uma espada, a morte era a morte e, para muitos, o fim.

Contudo, para Nayla, assim como para todos aqueles que acreditavam na Deusa, a morte era um momento sagrado que em hipótese nenhuma deveria ser antecipado. E por isso era quase impossível suportar o que via.

Foi com alívio que notou as imagens começarem a turvar, pouco a pouco, desvanecendo e dando lugar apenas à superfície ondulante da água no poço sagrado. Sentiu o manto ser recolocado sobre seus ombros, intimamente feliz por haverem se preocupado com seu conforto após tanto desgaste. Tremia sem controle e as lágrimas quentes escorriam por sua face. Ao menos não precisaria repetir todos os horrores que vira. Já havia presenciado um daqueles rituais e lembrava-se de como os vaticínios eram proferidos, normalmente em gritos angustiados.

Nayla foi envolvida por um abraço reconfortante, mas, sentindo-se culpada pelo que vira, ergueu seus olhos para a Grã-Sacerdotisa - agora a própria figura da Mãe - em busca de um consolo. Com um gesto de pesar, Nimueh tocou os cabelos da jovem sacerdotisa antes de responder à pergunta não formulada.

— Não se desespere, menina. Não aprendeste que o futuro dos homens é mutável? O que presenciou foi apenas o destino mais provável se seus atos continuarem no rumo que estão agora.

— E o que podemos fazer, mãe?

— Infelizmente muito pouco. Tudo que nos cabia agora está sob os cuidados de Arthur, embainhada junto ao seu corpo. Esperemos que ele saiba o que deve fazer.

— E se ele não souber? — o impertinente questionamento foi absorvido aos poucos. O temor não era infundado e Nimueh suspirou.

 — Infelizmente, você mesma nos mostrou qual será o nosso fim...

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