Era difícil enxergar através da
fumaça densa que surgiu assim que as bombas alcançaram o solo, uma seguida da
outra. O chão não parava de tremer, dificultando o avanço das tropas e a fuga
das pessoas. Os diversos sons que escutava - disparos, explosões, choros e
gritos - deixavam o ambiente ainda mais caótico.
Nayla desejava fechar os olhos e
sair dali, mas foi impedida. Os horrores da guerra que observava dilaceravam
seu coração. Ela queria ajudar, fazer alguma coisa para impedir o sofrimento
das pessoas daquele lugar, contudo, seu próprio corpo tinha várias limitações.
Mesmo sem olhar, sentia a magia
formigando em sua pele, escorrendo por suas veias e acumulando-se em suas mãos.
Seria tão simples apenas acenar e fazer as bombas desaparecerem, ou surgir uma
grande redoma capaz de proteger o local. Porém, Nayla sabia que quaisquer
esforços nesse sentido seriam insuficientes. Por mais preparada que estivesse,
ainda era apenas uma sacerdotisa a serviço da Deusa. E temia que, por mais
poderes que pudesse vir a ter como Grã-Sacerdotisa, se um dia fosse agraciada
com tal título, nada poderia fazer para impedir o que estava presenciando.
Vislumbrava os rostos
parcialmente escondidos, incapazes de lutar, certos de sua morte iminente, e
suas angústias lhe atingiram como uma flecha. Ela não reconhecia nenhuma das
máquinas que via, capazes de explodir e assassinar à distância. Com certeza
eram de outro tempo ou de outro mundo. Mas, a dor e a desgraça que estas
máquinas produziam, não mudaram.
Tanto fazia se fosse por meio de
um daqueles estranhos projéteis ou pela lâmina de uma espada, a morte era a
morte e, para muitos, o fim.
Contudo, para Nayla, assim como
para todos aqueles que acreditavam na Deusa, a morte era um momento sagrado que
em hipótese nenhuma deveria ser antecipado. E por isso era quase impossível
suportar o que via.
Foi com alívio que notou as
imagens começarem a turvar, pouco a pouco, desvanecendo e dando lugar apenas à
superfície ondulante da água no poço sagrado. Sentiu o manto ser recolocado
sobre seus ombros, intimamente feliz por haverem se preocupado com seu conforto
após tanto desgaste. Tremia sem controle e as lágrimas quentes escorriam por
sua face. Ao menos não precisaria repetir todos os horrores que vira. Já havia
presenciado um daqueles rituais e lembrava-se de como os vaticínios eram
proferidos, normalmente em gritos angustiados.
Nayla foi envolvida por um abraço
reconfortante, mas, sentindo-se culpada pelo que vira, ergueu seus olhos para a
Grã-Sacerdotisa - agora a própria figura da Mãe - em busca de um consolo. Com
um gesto de pesar, Nimueh tocou os cabelos da jovem sacerdotisa antes de
responder à pergunta não formulada.
— Não se desespere, menina. Não
aprendeste que o futuro dos homens é mutável? O que presenciou foi apenas o
destino mais provável se seus atos continuarem no rumo que estão agora.
— E o que podemos fazer, mãe?
— Infelizmente muito pouco. Tudo
que nos cabia agora está sob os cuidados de Arthur, embainhada junto ao seu
corpo. Esperemos que ele saiba o que deve fazer.
— E se ele não souber? — o impertinente
questionamento foi absorvido aos poucos. O temor não era infundado e Nimueh
suspirou.
— Infelizmente, você mesma nos mostrou qual
será o nosso fim...
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