domingo, 30 de dezembro de 2012

Escravo do Tempo


A primeira badalada. Precisava se apressar.

Já estava cansado de tudo aquilo, mas era sua responsabilidade, então, não havia o que pudesse fazer realmente a respeito. Não era o Senhor do Tempo, era apenas seu escravo, como tantos outros. E, por isso, não tinha escolha. Porém, era o mais antigo e acabara aprendendo alguns truques, e utilizava os que podia para alargar ao máximo o fio das horas, esgarçando os minutos o suficiente para que os humanos – se porventura percebessem o que ocorria – achassem que o tempo havia parado.

Olhou mais uma vez para o corpo jovem que abandonava em seu leito, enquanto se preparava para atender ao chamado. Aquela era uma das raras vezes que gostaria de não precisar partir. Mas não se atrevia. Ou talvez devesse se atrever. Seria interessante ver como Ele se sairia para resolver a bagunça que aquele simples ato causaria.

Ao longe, as vozes indicavam que a contagem regressiva já estava pela metade. Parou o gesto que fazia no meio e sentou-se novamente, não se furtando ao prazer de acariciar as costas nuas do corpo adormecido; sentindo a frustração ameaçar, novamente, o destino. Admirava a capacidade humana de esquecer. Desejava poder fazer o mesmo.

Balançou a cabeça negativamente. Por mais que todas as fibras do seu ser clamassem pelo contrário, ergueu-se e saiu, sem olhar para trás. Em algum lugar os champanhes começavam a ser estourados por alguns mais apressados. Idiotas, faltavam ainda alguns segundos. Aquela alegria que pairava no ar por onde passava estava enervando-o, mas tinha consciência de que logo aquele sentimento acabaria. O dele e o dos outros.

O primeiro risco dos fogos de artifício cruzou o céu. Havia chegado o momento e não tinha como voltar atrás. Era sua responsabilidade e sempre seria. Ao final, toda aquela euforia humana o fortalecia, deixava-o mais jovem. Sentia que era capaz de cometer loucuras, e, se a oportunidade não tivesse passado, teria corrido de volta, ao quarto que acabara de deixar, para o corpo lânguido sobre a cama. Todavia, ele somente era capaz de esticar o tempo, não de fazê-lo voltar atrás. Quem sabe da próxima vez?

Os gritos, os fogos e o soar da última badalada se tornaram um, e então, sem se importar que pudesse ser visto, deixou-se revelar. Era pura energia e luz. Assumia várias formas, vários nomes. Esperança, Renovação, Expectativa, Mistério. Alguns o mencionavam apenas com um número, que mudava conforme o gosto de cada um. Naquele instante, ao término da última badalada, era conhecido como 2013.



Miniconto escrito para o grupo Fábrica dos Sonhos do Facebook.

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