segunda-feira, 15 de julho de 2013

O Casarão

Ela olhou para trás ao ouvir o solitário badalar do sino da igreja. Era a primeira noite da lua minguante e uma pálida luz vencia as nuvens que tentavam encobri-la. Com os pés descalços sobre as pedras frias e ásperas do rochedo, Suzana virou-se e contemplou a casa na qual vivera até então. Uma antiga sede de fazenda, toda em madeira nobre, com sua generosa varanda a circundar seus dois andares.

Como lhe fora avisado que aconteceria, um brilho crescente poderia ser avistado no interior da casa, através das cortinas, e ela podia imaginar que a qualquer momento as pessoas em seu interior começariam a percebê-lo também. Se fechasse os olhos e abrisse a mente, poderia até mesmo escutar seus passos apressados e suas vozes assustadas.
A brisa que vinha do mar às suas costas umedecia a longa camisola branca que usava e penetrava em sua pele, mas Suzana não se importou. Em breve seu corpo seria aquecido pela enorme fogueira que se formava.
Agora não precisava nem mesmo fechar os olhos para imaginar os gritos e o desespero. Eles eram reais e podia ouvi-los com indescritível clareza. Por uma fração de segundo, seus pés começavam a se mover na direção do casarão, mas Suzana os manteve firmes no lugar enquanto as labaredas alcançavam o andar superior da velha casa.
Era questão de minutos até que seu quarto fosse consumido pelas chamas. Suzana sentiu um pequeno aperto no peito ao se lembrar da sua boneca preferida, a mesma que ganhara de seu pai ao completar cinco anos e que há muito apenas adornava seu leito. Talvez seu rosto branco de porcelana se salvasse, mas os cachos rubros e a roupa de veludo azul nunca mais seriam admirados por ninguém.
Suzana mirava a casa, o azul de seus olhos refletindo as chamas, e finalmente entendeu completamente as palavras se repetiram em sua mente nos últimos dias. Em breve tudo estaria acabado.
Quando os primeiros raios de sol a aqueceram, Suzana abriu os olhos claros e suspirou. Ergueu seu corpo da relva orvalhada onde adormecera e rumou até o balanço preso no velho carvalho onde, na infância, passara horas imersa em pensamentos. Balançou, sentindo as cinzas atingirem seu rosto, hipnotizada pela pequena coluna de fumaça que ainda insistia em surgir dos escombros do antigo casarão.

Nunca gostara realmente da cor amarela com a qual a haviam pintado.

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