Com a violência da cidade, ninguém
prestou atenção quando Mirina começou seu trabalho. Uma prostituta esfaqueada
nos Arcos da Lapa, um ambulante na praia de Copacabana... O caso ganhou os
noticiários somente quando encontraram a velhinha entre as árvores do Jardim
Botânico. E, com a Copa do Mundo se aproximando, o Maracanã vivia sob a mira
dos holofotes; não demoraram a encontrar mais um. Só então deram importância
para o cartão-postal que ela deixava junto aos corpos com os dizeres: “Foi um
prazer ter você no Rio”.
No princípio quisera apenas saber
qual seria a sensação. Depois, Mirina passou a sentir um prazer visceral a cada
vida que tirava. Ao receber a atenção da polícia e da mídia, a adrenalina começou
a correr ainda mais rápido em suas veias. E a excitação gerada a incitava a
continuar.
Lapa, Copacabana, Jardim
Botânico, Barra da Tijuca, Maracanã. O Pão de Açúcar tinha sido o local que
escolhera para aquela tarde. Só de imaginar o que sentiria ao completar seu
trabalho, Mirina exultava. Observou a sua próxima vítima, um jovem que
terminara sua aventura nas trilhas do Morro da Urca, sentindo uma ponta de
tristeza pela juventude que iria desperdiçar. Contudo, ele teria seu propósito
no conturbado esquema que ela traçara em seu íntimo.
Estava a poucos passos do rapaz.
A lâmina fria da adaga que trazia junto à cintura a deixava consciente do que
teria que fazer. Todavia, no último instante, Mirina sentiu a frustração
sufocá-la. Havia mais policiais na área do que apenas os soldados que serviam
ali. Já deveriam ter percebido sua predileção por pontos turísticos. Passou por
seu alvo, que sorria sem saber do que escapara, até alcançar a areia da Praia
Vermelha, onde aguardou o pôr do sol.
Enquanto esperava, Mirina
reformulou seus passos. Sua aparência tranquila escondia o turbilhão em sua
mente. Podia desistir de tudo e seguir sua vida. Não acreditava que conseguiriam
realmente ligá-la aos crimes. Mesmo não cuidando de mudar a letra ao escrever
as mensagens ou de usar luvas para ocultar suas digitais. Na verdade,
orgulhara-se de cada ato, para se afetar com esses detalhes. E era exatamente
isso que a impedia de parar. Decidida, vasculhou a paisagem em busca de alguém
a quem pudesse usar para concluir o que viera fazer. A oportunidade surgiu na
forma de um senhor, visivelmente embriagado com as belezas naturais cariocas,
parado na descida do bondinho...
Mirina tomava todos os cuidados
para passar despercebida. Não podia ser apanhada logo agora que estava prestes
a terminar, mas sabia que a policia estava chegando perto. Fora descuidada no
dia anterior, esquecera-se por completo das câmeras de segurança existentes no
largo do Bondinho, e com isso, a polícia agora tinha pistas suficientes para
deixá-la preocupada. O aviso sonoro alertava para o embarque imediato do
próximo voo a decolar e Mirina controlou seus passos para que não parecesse
apressada demais. Passou pelos corredores e entrou no avião sentindo que
deixara seu trabalho incompleto. Queria ter visitado o Cristo Redentor uma
última vez e, quem sabe, tomado outra vida sob aquela vista maravilhosa, talvez
aos pés da estátua. Contudo, assim que o avião que estava alcançou os céus,
percebeu que esse era apenas um detalhe. O Brasil era muito grande e em São
Paulo também encontraria cartões-postais dignos dela.
1 comentários:
Adorei, Pri! Amo histórias curtas. Dar vida e encerrar um personagem em poucas linhas é uma das artes mais impressionantes pra mim. E quando fica tão perfeito assim, ao contrário da maioria, eu sinto que uma continuação destruiria a beleza.
Beeeeijos!
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